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Foto do escritorAline Fiuza

Mas você sabe o que é um impedimento?


Foto: Ivan Pacheco

Não é fácil ser mulher. Ser mulher e gostar de futebol é ainda pior. Desde muito tempo o futebol foi associado exclusivamente aos homens, como um esporte feito somente para eles. Não porque mulheres não amem, joguem e queiram se tornar cada vez mais habilidosas ou por considerarem o jogo de uma partida de futebol feminino sem emoção, energia e muita garra.


Não é por nada disso, mas sim por causa do machismo, que enxerga o futebol como uma modalidade puramente masculina. Os tempos são outros e nós mulheres também temos nosso espaço no futebol, seja como jogadoras, árbitras, comentaristas, jornalistas ou torcedoras.


O que acontece é que se uma mulher expressa gostar de futebol, já é rotulada preconceituosamente de não entendê-lo. Certa vez ao sair de casa com a camisa do meu time de coração, o São Paulo, me perguntaram se eu ao menos sabia o que era um impedimento e se poderia citar pelo menos o nome de um jogador do time.


Não me surpreendi com essas perguntas, pois já estava acostumada a respondê-las, o que não consigo compreender é o espanto das pessoas ao receber as respostas certas. Sei o que é um impedimento e as escalações titular e reserva do São Paulo desde os meus nove anos, época em que comecei a acompanhar os jogos por influência do meu irmão.


Mas isso não acontece só comigo, o fato é que toda mulher que gosta de futebol precisa ser testada antes de realmente acreditarem que ela entende do esporte, conhece os jogadores, sabe as regras e esquemas táticos. É aí onde o preconceito transparece. Quantas vezes essas mesmas perguntas são feitas aos homens? A questão é que esses mesmos homens sentem-se incomodados quando uma mulher demonstra entender mais do que eles.


Assim, nos desrespeitam, reiterando o machismo que já está enraizado no futebol. Mas mesmo que não soubéssemos muito sobre futebol, que fôssemos torcedoras de temporada, que disséssemos que nosso time do coração é a seleção brasileira durante a Copa do Mundo, não resta a ninguém nos ofender enquanto mulheres por não termos conhecimento do assunto.


Por mais que os investimentos nos clubes femininos sejam mínimos, os campeonatos não sejam valorizados, os programas esportivos sejam feitos por uma maioria de homens e em poucos casos por mulheres, os próprios clubes não lancem camisas femininas, nós temos nosso lugar no futebol e não vamos desistir dele.


É só observar um pouco que já se percebe o tamanho dessa luta e das conquistas alcançadas nos últimos tempos. Marta, eleita cinco vezes consecutivas melhor jogadora do mundo - fato inédito tanto para mulheres quanto para homens - Renata Fan apresentando um programa esportivo formado majoritariamente pelo sexo masculino, Iva Olivari assumindo o cargo de gerente da seleção croata, Viviane Falconi se tornando a primeira mulher a narrar uma Champions League e Isabelly Morais uma Copa do Mundo.


Por esses e outros motivos, é notório que o futebol deixou de ser exclusivo aos homens, mas que ainda há muita dificuldade na aceitação das mulheres nesse meio, pois o machismo permanece evidenciado no esporte.


É por conta dessa inadmissão que os casos de assédio dentro e fora do campo tornaram-se frequentes. Relatos de jornalistas sendo assediadas enquanto fazem cobertura dos jogos e de torcedoras com medo de irem sozinhas aos estádios, já não causam surpresa em ninguém. Isso é visto como natural no futebol, mas quando analisado de forma mais profunda mostra-se inaceitável.


Mesmo que uma jornalista esteja inserida dentro de um âmbito formado inteiramente por homens e rodeada de colegas do sexo masculino, ela não pode ser menosprezada e assediada por estes. Mesmo que nas arquibancadas as mulheres sejam minoria, isso não é motivo para desrespeitá-las, chamando-as de apelidos machistas e fazendo comentários chulos.


O problema é agravado porque os homens sentem-se no direito de soltar as mesmas piadas de séculos atrás quando presenciam uma mulher no estádio, pois segundo a tradição esse espaço deveria ser apenas deles.


É por isso tudo que o machismo acarreta na ignorância do fato de que as mulheres têm a mesma capacidade dos homens para jogar e entender de futebol. O que fica claro é que a sociedade, em geral, ainda não se acostumou com a ocupação feminina dentro do futebol e não aceitou que agora as mulheres também têm vez e voz no estádio. E que a luta por um futebol respeitoso com todos está apenas começando.


Inúmeros movimentos feministas dentro do futebol já foram criados e permanecem ativos, combatendo o machismo no esporte.


Alguns clubes até já iniciaram seus próprios projetos, incentivando as mulheres a irem aos estádios e a serem recebidas com dignidade. Essas mudanças já estão fazendo a diferença e aqueles que ainda não aceitam que as mulheres podem sim gostar, entender e jogar futebol tanto quanto os homens, devem começar a mudar esse pensamento obsoleto.

É claro que ainda falta muito para um respeito efetivo com as mulheres dentro do futebol. Mais ainda para a consolidação do futebol feminino, que é subestimado pela maioria dos admiradores do esporte. Falta investimento, visibilidade e credibilidade para as nossas jogadoras. E principalmente, falta respeito.


Mas essa luta é diária e longa. O futebol é uma grande paixão de toda a nação brasileira independente de gênero. E mesmo que o preconceito já esteja intrínseco na sociedade, com a ideia de que bola é para meninos e boneca para meninas, nos dias de hoje nós temos a liberdade de escolher nossos brinquedos, nossas carreiras, nossos esportes e os lugares onde queremos estar.


Para aqueles que dizem que mulher não entende de futebol ou não sabe o que é um impedimento, aqui vai a simples explicação: o jogador está impedido se, no momento em que a bola for lançada por seu companheiro, ele estiver à frente do último defensor adversário ou da linha da bola. E não foi preciso eu ser homem para entender isso, certo?!


Chega de machismo. O futebol é de todo mundo. E lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive dentro do estádio e na frente da TV torcendo pelo seu time favorito.

 

Texto originalmente publicado na Revista Bárbaras em agosto de 2018.

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