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Irreverência Gloriosa: Jacozinho, de jogador à lenda

Conheça Jacozinho, o jogador nordestino que fez história em um amistoso do Zico.



Foto: Caio Lorena / CSA

Um cenário de misticismo, fantasia e lendas, o Nordeste brasileiro é uma terra fértil para o nascimento de histórias e contos. Para Givaldo Santos Vasconcelos, nascido em 1956, em Gararu, interior de Sergipe, esses contos e histórias ajudaram a transformar o jogador de futebol, Givaldo, em uma lenda do Nordeste de nome Jacozinho.


O futebol apareceu por impulso. Descobriu a arte da “pelada” como todas as crianças. Antes, porém, de ser um atleta profissional, Jacozinho chegou a ter um emprego formal para pagar as contas e ajudar a família. Foi ajudante de eletricista, mas sem abandonar as partidas casuais. “Ia jogando nos campos de terra em Aracaju, Sergipe. Até que Dequinha, ex-jogador do Flamengo nos anos 50, e que era treinador do Vasco de Sergipe, me descobriu”, conta.


Ele se lembra da praça de terra preta onde se reunia com os amigos para jogar bola, e lá o treinador que morava próximo viu o garoto brilhar com a pelota nos pés. “Ele me convidou, e fui pro juvenil do Vasco. Com dois meses que eu estava lá, fui com ele para o time do Sergipe. Disputei o campeonato no Rio de Janeiro, contra o Fluminense — foi a minha primeira partida”, lembra.


E a chegada no Rio não poderia ser mais lugar comum para um novo jogador. A imprensa já dava como certo o massacre do Sergipe para o todo poderoso Fluminense. “De dez pra lá”, ele conta. No final, saíram derrotados. Mas com o placar acusando 2x1 para o time carioca, depois de um pênalti duvidoso marcado pelo juiz.


Sobre esse início no futebol, Jacozinho não titubeia, fala como foi sofrido o processo para se tornar um profissional no esporte. ”Eu vendi pastéis, engraxei sapato, tomei conta de carro na porta do estádio do Confiança”, fala. Como torcedor do Confiança, ele ficava atrás do gol pegando as bolas que iam para a arquibancada. “Mas com propósito, nós conseguimos.”


Como profissional, Jacozinho disputou o Campeonato Brasileiro de 77 pelo Sergipe, e teve uma rodagem por outros clubes da região ainda na década de 1970, como o Leônico, Galícia e Jequié, todos da Bahia. Nesse período, o Nordeste, na área futebolística, começou a se expandir ainda mais, tornando-se mais competitivo e desenvolvendo novos atletas. “Na nossa época tínhamos muitos talentos, o problema era que não éramos vistos”, lamenta. Mas sem falsa modéstia, ele é certeiro: “Fui eu quem quebrei o enigma.”


E isso tem muito a ver com a década seguinte. Na década de 1980, o auge chegou ao jogar no CSA de Alagoas. Pelo time, o habilidoso ponta-direita se destacou muito. “Em 81, nós tínhamos um time do CSA que começou a mudar toda a história do futebol nordestino”, conta. Com o sucesso, ele conta com muito carinho e pompa do fato de sair na capa da Revista Placar em 1985. “Foi um susto, algo esplendoroso. Até hoje se fala dessa revista.”


Jacozinho na capa da Revista Placar nº 792, de 26 de junho de 1985 | Foto: Reprodução

Ele ainda relata uma das brincadeiras que o fez cair ainda mais nas graças do público e dos torcedores. “Eu já era um fenômeno, fazendo muitos gols e, inclusive, dando nomes a esses gols: ‘Gol Ayrton Senna’, ‘Gol Guarda de Trânsito’, ‘Gol Vampiro Brasileiro’ (referência ao personagem Bento Carneiro, de Chico Anysio), vários nomes”, afirma.


Mas nessa jornada, um aliado que surgiu e elevou ainda mais o patamar do jogador. Ele conta que teve contato com Márcio Canuto, jornalista esportivo renomado e icônico pela sua energia nas transmissões, cerca de dois ou três anos depois que chegou no CSA. “Ele se aproximou de mim e disse: ‘Jacó, você tem um grande futuro pela frente, você joga muito, tem muitos clubes interessados em você, mas quando perguntam pela vida extracampo, eles desistem de te levar. Vamos fazer um pacto, vamos parar de noitadas, de bebidas, e vou te ajudar porque você é folclórico, mas você joga muito’”, relembra Jacozinho.


Puxando pela memória, Jacó lembra de o jornalista chegar até a compará-lo a Mané Garrincha. “Hoje em dia, o que Mané Garrincha faz, você faz melhor”. Todo esse folclore, essa lenda e mito, fizeram com que Márcio Canuto começasse a vender a ideia de Jacozinho na Seleção Brasileira. Ele ainda conta um causo de quando Evaristo de Macedo, então técnico da Seleção, teve um jogo em Recife, e ele se prontificou a ir até o estádio. “Eu vou de trem, eu vou de avião, eu vou de carroça, eu vou até de bicicleta. ‘Dá licença aí, garoto’, e a garotada com a bicicleta do lado, eu montei e todos gritando: JACOZINHO! JACOZINHO! JACOZINHO!”, conta.


Tudo isso culminou no evento que o destacou para o Brasil, e talvez, para o mundo. Em 1985, Zico, estrela e ídolo máximo do Flamengo, realizou um amistoso no Maracanã para celebrar a sua volta ao time carioca depois de uma passagem pela Udinese, na Itália. De um lado, o Flamengo, do outro, os Amigos do Zico. Graças ao talento próprio, e a insistência de Márcio Canuto, Jacozinho cavou uma vaga nos reservas dos Amigos de Zico, mesmo sem ter sido convocado oficialmente.


“Eu achei que eu tinha entrado numa furada”, conta. “Você estar com Maradona, Zico, Falcão, Toninho Cerezo… Eu lembro que chegamos no Rio, ficamos num hotel ‘ok’ na Cinelândia, e o Márcio falou: Olha, você vai. Ninguém sabe é se você vai jogar”. Com essa incerteza, Jacozinho conta que teve que bancar do próprio bolso a passagem e o hotel.


Apesar disso, no dia seguinte, ele conta que se preparou para fazer duas matérias com Márcio Canuto. Uma falando como se tivesse participado, e outra com a frustração de não ter entrado em campo. “Enquanto a gente fazia a matéria, recebemos uma ligação de George Helal, dirigente norte-americano nacionalizado brasileiro, pedindo para Márcio me levar para a Gávea. Chegando lá, a secretária declarou: ‘Presidente, o Rei Jacó chegou’”, afirma.


Jacozinho e Zico | Foto: Arquivo Pessoal / Jacozinho

Assustado com o título, Jacozinho indagou o porquê daquilo, e prontamente foi respondido: receberam mais de três mil ligações pedindo a sua participação na festa. Sem pestanejar, o atleta pediu ao presidente para jogar, queria participar da festa. O executivo riu, e levou o jornalista e a estrela para almoçar no restaurante Plataforma, buscou uma bolsa para os pertences de Jacozinho e mandou-lhe ir para o Othon Palace, em Copacabana.


“Chegando lá, quando eu entrei naquele hotel enorme, eu entrava num lado e saía no mesmo lugar. Fiquei perdido. Nessa de me encontrar, eu encontrei Paulo Victor, Júnior, Alemão e gritando: ‘Seu Avaristo! Seu Avaristo!’ Porque eu tinha gravado a matéria, e troquei o E por um A. E aí foi aquela gozação”, diz Jacozinho.


Nisso, ele relembra que foi levado para um quarto onde havia cerca de oito a dez atletas jogando baralho, contando histórias. “Entrei no joguinho, e já fui ganhando um dinheirinho”, ri. Quando menos ele espera, o quarto agora já tem 25 jogadores com gente do lado de fora se revezando para ver a lenda nordestina. “Foi aí que a ficha caiu”. Ele conta que se aproximou do ‘Maestro Júnior’ e cantou a boa: “Vou sair abraçado com você aqui do quarto, pra eu sair no jornal”. Júnior retrucou na hora: “Nada disso! Eu é que vou agarrar você pra sair, você tá por fora. Você é um mito, você vai ver”.


Dito e feito. Descendo o elevador, a imprensa toda se juntou para capturar a imagem daquele atleta que tomou o evento de assalto. “Olha aí, não te falei? Tô colado contigo aqui, não vou largar você”, ele relembra Júnior.


Se até então era difícil assimilar tudo o que estava acontecendo, estar sentado numa mesa junto de Falcão e Maradona com certeza tinha sido a cereja do bolo daquele momento. Inclusive aconteceu um registro fotográfico da estrela do Nordeste com o jogador argentino. Jacozinho ainda conta uma situação que aconteceu logo em seguida.


“Eu estava na mesa com o Júnior, e eu disse:

– Júnior, não olha pra lá agora não, vai devagar. Maradona tá olhando pra mim, chega tá de boca aberta!

– Rapaz, é mesmo! — Respondeu o Maestro

– E eu já sei o porquê — Emendou Jacozinho

– E por que é?

– Porque ele deve estar olhando pra mim e pensando: “Que baixinho feio danado que eu não conheço!”


Todo mundo riu e o jantar seguiu nesse clima leve e descontraído até a hora do jogo. Já no vestiário, Jacozinho fala que foi o momento que Márcio Canuto entrou em ação. Ele se aproximou e puxou o jogador pro lado — quase arrancando o braço, lembra — “Vem aqui!”. Junto de Maradona, entoou aos berros: “Ô Maradona, você conhece Jacozinho?” No meio do vestiário movimentado não houve resposta.


“Ô MARADONA, VOCÊ CONHECE JACOZINHO?!”


O jogador argentino ergueu a cabeça levemente e olhou na direção dos dois. E naquele estilo Márcio Canuto de ser, ele completou: “Olha aqui, esse é o melhor jogador do Norte e Nordeste do Brasil, você vai ver quando ele entrar!” Os dois atletas apertaram as mãos e subiram juntos para o banco de reservas esperando o jogo começar.


Foto: Reprodução / TV Globo

Cento e dez mil pessoas estavam presentes naquele 12 de junho de 1985. A partida vai correndo, enquanto Jacozinho, no banco de reservas, assiste tudo atentamente. Os minutos viram uma hora, mas logo isso é invertido quando o jogador nordestino é chamado para entrar em campo. “No aquecimento, antes de entrar, eu tremia. O público todo gritava meu nome: Jacozinho, Jacozinho! E o Telê viu:


– Jacó! Jacó! Tá nervoso?

– Não, senhor!

– Não está nervoso?

– Não, senhor!

– E essa tremedeira?

– Ah, o senhor tá por fora, professor… Lá no Nordeste a gente aquece assim!”


Entre risos, Telê anunciou a entrada de Jacozinho no lugar de Falcão, o Rei de Roma. “Quando eu fui entrando, Márcio Canuto já me puxou de novo, me levou na beirada de campo, a torcida começou a gritar meu nome e Júnior se aproximou. Ele disse: ‘Jacó, jogar você sabe, e todo mundo sabe que você sabe. E joga muito. Agora é sua vez. Toda bola que eu pegar, eu vou mandar pra você.’”


E assim foi. Logo no primeiro lance que o Maestro recebeu a bola, ele passou para Jacozinho, que foi até a linha de fundo, driblou o zagueiro e cruzou para a área. Maradona por pouco não faz o gol, acertando um chute de primeira que foi por cima da meta. Já a segunda bola, não teve jeito. Branco ganhou a dividida dentro da área de defesa, saiu jogando e tocou para Maradona no círculo central. O argentino lançou em profundidade para Jacozinho, que no talento de uma vida, de uma história, de uma lenda do povo, dominou a bola, driblou o goleiro Cantarelli e deixou a redonda repousar tranquila no fundo do barbante.


Um evento, apesar da derrota por 3x1, mas que ficou marcado por essa tabela do até então, e para muitos ainda, melhor jogador argentino da história e Jacozinho, a lenda do Nordeste. Ainda deu tempo para um pequeno desgaste do anfitrião da festa, Zico, que não aceitou bem a presença de Jacó. “Forçaram a barra aí. Acho que a organização deu mole”, disse o Galinho de Quintino no fim da partida.


Agora uma estrela nacional, Jacozinho voltou como um rei para Alagoas, e seguiu o curso de sua carreira jogando em outros times como o Santa Cruz-PE, ABC-RN, Baraúnas-RN, Flamengo-PI, Imperatriz-MA, até encerrar sua carreira em 1995 pelo Ypiranga-PE.


Feliz com a sua carreira, ele não mudaria nada. Continua humilde e muito feliz por todas as conquistas que teve. Seguiu junto ao futebol. “Hoje eu sou agente FIFA, agenciando carreira de jogadores; fui auxiliar do CSA por seis anos, tendo saído recentemente – em fevereiro – do time. Fui treinador interino, inclusive na série A, pelo time alagoano. E para mim, o futebol foi, e sempre será, a minha vida.”


Com tanta história para contar, com tantas glórias e sucessos, Jacozinho está no panteão dos grandes do esporte nacional. Pela irreverência, ousadia e, principalmente, pelo que fez com a bola nos pés. Que o pagode, que ilustra o ápice dessa carreira vitoriosa, não seja relevado; melhor colocar aqui, para finalizar tudo do melhor jeito Jacozinho de ser – alegre, leve, talentoso:


“Maradona lançou, Jacozinho partiu, Figueiredo ficou, Cantarelli caiu e a torcida gritou: é gol, é gol, de Jacozinho. É gol, é gol, de Jacozinho!”


Foto: Arquivo Pessoal / Jacozinho
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