Clube da Moldávia mostra que há espaço para os menores se destacarem
Por César Filho
Craques, timaços e jogos épicos. Esse é o cardápio que a Liga dos Campeões da Europa oferece, ano após ano, ao amante do futebol. A reunião de equipes multimilionárias no maior palco do futebol mundial não poderia ser diferente. Os tão esperados embates entre os verdadeiros esquadrões de elite são ingredientes que apimentam a melhor competição de clubes do planeta.
Foi com o pretexto de tornar os confrontos entre os grandes clubes da Europa cada vez mais frequentes que 12 das maiores equipes do velho continente chocaram o público ao anunciarem a criação da Superliga Europeia. Um campeonato nomeado pelos seus fundadores como o “salvador do futebol”, que garantiria vagas aos seus precursores, sendo as demais preenchidas pelos clubes “desafortunados”, aqueles que não foram convidados a fundarem tal competição e que agora teriam a chance de disputar a “verdadeira maior competição entre clubes no planeta”. Mas, afinal, são apenas de campeões ou de super times que o futebol é feito?
O que aconteceu com o projeto elitista da Superliga já é sabido (descanse em paz!), mas o recado que ficou por parte de algumas instituições foi de verdadeira indiferença aos clubes menores e de toda história que eles constroem sobre duras penas. A ideia de acabar com o mérito esportivo, como se ele fosse direito somente dos ditos “grandes”, e que o “pequeno” sequer poderia sonhar, tendo que se reservar somente a disputar seus campeonatos nacionais, assusta e sustenta a visão compartilhada por muitos de enxergar o futebol somente como um negócio.
Entretanto, é nesse contexto que o futebol nos ensina, dentro da sua maior competição de clubes, a não mexermos com o seu direito sagrado: o campo-bola. Afinal, é nele onde se criam os ídolos, as odisseias e o verdadeiro amor por esse esporte. E é nisso onde entra a melhor história das duas primeiras rodadas da fase de grupo da Champions 2021/2022: um pequeno clube da Moldávia, o Sheriff Tiraspol.
O Sheriff é um clube pertencente à cidade de Tiraspol, capital da região separatista de Transnístria, na Moldávia, sendo ele comandado por um conglomerado de empresas locais, com grande participação da coroa regional na sua administração. Devido ao investimento recebido – algo ainda muito distante dos grandes centros europeus –, o clube consegue ter um plantel de diversos países, incluindo até mesmo dois brasileiros, os laterais Cristiano e Fernando. Mas o que faz desse clube tão especial?
A Moldávia, um dos países mais pobres da Europa, nunca teve um clube representante na fase de grupo da Liga dos Campeões. E parecia algo bem distante até o Sheriff, de maneira surpreendente, passar das fases qualificatórias, eliminando clubes tradicionais do leste europeu, como Estrela Vermelha e Dínamo de Zagreb. Para eles, o caminho árduo ainda reservava mais dificuldades pela frente: o sorteio indigesto os colocou na mesma chave de Shakhtar Donetsk, Internazionale de Milão e Real Madrid na fase de grupos, sendo os dois últimos uns dos fundadores da finada Superliga Europeia.
Para a maioria dos prognósticos, a equipe de Tiraspol seria o “saco de pancadas” do grupo, o que não seria problema pela caminhada já histórica do time. Entretanto, na 1° rodada, enfrentando a equipe de Donetsk, o Sheriff já demonstrou que não estava ali a passeio e venceu por 2x0. O percurso com ares de inacreditáveis chamou a atenção da comunidade do futebol, fazendo com que muitos tentassem entender de onde vem esse candidato a zebra.
Entretanto, o maior desafio da caminhada ainda estava por vir: o Sheriff viajou até Madri, onde iria encarar o maior campeão da história da competição, o Real Madrid. A vitória certa e protocolar dos merengues já era cantada por todos os ares, afinal, como poderia um dos maiores clubes do planeta perder na sua própria casa para uma equipe advinda de um país sem tradição e recursos expressivos?
Ora, mas o futebol não para de nos pregar peças. A história fantástica não poderia ficar sem o tempero final: a equipe moldava venceu o gigante Real Madrid por 2x1, caracterizando uma das maiores zebras da história da competição e os deixando, provisoriamente, na 1ª colocação do grupo D da Champions.
Ainda não se sabe o que acontecerá com o Sheriff no restante do campeonato, mas uma coisa é certa: histórias como essas seriam sepultadas diante de ideias como a Superliga Europeia... e nada melhor para demonstrar o contrário disso do que vencendo o seu principal idealizador. E, assim como se estivéssemos lendo um livro infantil, a lição de moral ficou para o final: não se pode tirar o direito de sonhar, independentemente do seu tamanho ou de onde você vem.
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